janeiro 23, 2011

O constrangimento se encontra na primeira porta à esquerda (Pt I)

Comecei com um café e logo passei para os pãezinhos, deixei que olhassem ao redor e tudo estava em perfeita ordem. Queria ter ganhado um elogio ou algo que pudesse me confortar por desperdiçar horas do meu dia naquela tentativa frustrada de agradar seus olhos, mas nada recebi.
Na tarde, enquanto os outros se preocupavam com problemas técnicos na energia do meu bairro, eu estava preocupada em aproveitar a luz do sol lendo um pequeno livro chamado Assassinato no Campo de Golfe e o que parecia ser pequeno tornou-se longo e duradouro.
Bastava olhar para seus olhos desesperados para saber que a energia não retornaria. Depois de um longo cochilo em minha cama, levantei com uma enorme dor nas costas, resultado das longas viradas no travesseiro para tentar pegar no sono. 
Já passavam das cinco e meia da tarde e o sol já se encontrava distante, dificultando nossa visão e fazendo-nos apelar para os tocos de vela. Eu, a mais preocupada e perfeccionista da casa, não estava preocupada se a energia voltasse ou não naquela noite, se tivéssemos que jantar à luz de velas ou dormir cedo para economizar os tocos de vela, caso a luz não retornasse no outro dia. Como de costume, deitei-me mais um pouco e contemplei minha última visão solar do dia, comecei a pensar em várias coisas, amigos que deixei para trás e o passado se apoderou de mim, mais profundo e profundo e... quando dei por mim mesma, vi-a entrando porta adentro e estava a falar sobre algo que eu não entendia. Voltei para meu estado normal e juntei meu raciocínio para não deixá-la falando sozinha. Depois de ter compreendido, só o que consegui responder foi ''Que ótimo''. Não era ótimo, era péssimo.
Iríamos jantar na casa de minha tia e eu não estava acostumada com seus costumes, incluindo: rir alto, beber whisky ao invés de água ou refrigerante nas refeições e seus assuntos nada apropriados. Mas não podia reclamar. Era minha família. Minha família...
Chegando lá, aquela sensação de ''É só hoje e vai passar rápido'' me fez entrar em um rápido estado de agonia, mas só até ouvir suas vozes tendo que dar meu sorriso mais falso e lhes dar oi, sentar em seu sofá e assistir ao mesmo programa que eles estavam assistindo mesmo que aquele fosse o que eu mais odiasse.
Disseram-me que iam sair, mas já estavam quase entrando no carro sem antes eu conceder o meu ''Tudo bem'' como de costume, mas logo me animei com a ideia de ter um computador, uma televisão e uma enorme pizza me esperando. Depois de provar todas aquelas sensações, nada mais me satisfazia, tentei achar o que fazer, mas a única coisa que me passava pela cabeça era assistir televisão, coloquei no canal de desenhos e estava passando Scooby Doo. Assisti tomando coca-cola e comendo um enorme pedaço de pizza de strogonoff, até descobrir que aquele era na verdade um enorme pedaço de pizza de strogonoff com formigas. Eu não sei definir o que estava sentindo naquele momento, quando finalmente achei que minha noite não estava perdida me acontecera aquilo. 
Joguei o pedaço na lata de lixo, que inclusive estava em uma cozinha onde a lâmpada não funcionava e a única claridade era a do banheiro e da sala. O único barulho que se podia ouvir era do Fred mandando a Daphne e a Velma seguirem ele, enquanto mandava o Salsicha e o Scooby irem para o outro lado. 
Até eu encontrar um gato, um gato preto. Ele estava me olhando do lado oposto da lixeira como se estivesse dizendo que aquele pedaço de pizza seria dele. 
Depois de ter passado alguns minutos, voltei para a sala tentar terminar de assistir Scooby Doo, o gato, que se encontrava nos meus pés, estava ronronando. 
Fui até a cozinha. Ela era assustadora.
Não via a hora de chegar em minha casa, apesar de toda a escuridão que pudesse ter, seria minha casa e eu não estaria sozinha, apesar da claridade que ali se encontrava por conta da sala e do banheiro, não me sentia segura, estava sozinha. Com o gato. 
De repente, ouvia-se os barulhos da minha glória ou a simples buzina do carro de meu tio avisando que eu poderia voltar para o meu conforto. 
Apesar de estar voltando para casa, me sentia constrangida, já passavam das quatro e quinze da manhã, fazia-se um frio tolerável e apenas uma garoa impedia do que poderia ser uma madrugada silenciosa. Quando entrei no carro, senti a vergonha entrar pelo meu corpo, sentei no banco da frente e parecia uma estátua, não me mexia nem dizia nada, parecia uma tola, a vergonha não era tão tola assim, dei-me conta que meu tio parecia estar cansado e depois de nos levar ele iria sair para trabalhar e não dormira por um luxo nosso de ir para casa de carro. 
Quando chegamos em casa, a luz havia voltado, não havia pizza nem poderia assistir Scooby Doo, pois não tínhamos TV a cabo. Não poderia acessar a internet, pois o computador se encontrava no quarto de minha mãe, mas eu estava na minha casa. Isso bastava. (Pt II)

4 comentários:

  1. Me admira a forma como você lida com as palavras, a forma como as junta e torna o simples em algo amável. Esse texto foi, de longe, um dos melhores que eu já li. Você está de parabéns, Jênifer.

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  2. as palavras foram diferentes e os acontecimentos também, mas as dúvidas são as mesmas.
    uma historia que parece até ser real, provando que nem todos os dias são iguais.

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  3. Seus textos são melhores que os de muita gente que vem publicando livros. Principalmente esse texto, ele é perfeito.

    Mas isso é uma narrativa que aconteceu com você? É que eu te sigo no Twitter (certo, eu te stalkeio um pouquinho) e vi alguns tweets que estão na história. Bem, de qualquer forma, o texto é adorável.

    Beijos,
    Mariana.

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    1. Sim, mas resolvi colocá-lo de forma com que parecesse com o que eu estava sentindo no momento.

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