fevereiro 06, 2011

(Rec)orte Ir(real)

− Elas estão mal-cuidadas. Disse-me com um ar ambicioso.
Não me importei ou fingia não me importar, voltei para terminar de varrer o chão, sem virar para trás.
Não demorou muito e estava de novo tentando apoderar-se de minhas rosas.
− Eu poderia cuidá-las para você.
Eu não precisava. Poderia cuidá-las eu mesma.
E quando eu ia virar para lhe dizer, um nó se formou em minha garganta impedindo-me de continuar. O medo apoderou-se de mim, um tic-tac era só o que eu podia ouvir enquanto encontrava-me imóvel. 
Segurava a vassoura com tanta força que, se pudesse, sairia voando dali. O motivo para isso foi de não ter visto ninguém a não ser a minha sombra plantada no chão e um tremor terrível tomou conta de mim, como se estivesse presa no meu próprio medo. Minhas pernas pareciam querer cambalear, pois não havia ninguém, só o mesmo som na minha cabeça: ''Elas estão mal-cuidadas. Eu poderia cuidá-las para você.''
Quem quer que fosse só poderia estar brincando comigo, disse para mim mesma. Oh, como eu queria acreditar que fosse só a vizinha com inveja de minhas rosas e que precisou sair correndo sem se despedir. Mas, e essas dúvidas que me consomem  a cada instante? Fazendo-me parecer instável em meus próprios sentimentos, seja de medo, angústia ou simples insatisfação. Bem, aquelas respostas que eu dava a mim mesma não me satisfaziam de nenhuma forma, nunca tinha ouvido a tal voz antes e por que eu não me senti atraída para ver quem era?
Conforme os dias passavam, minha curiosidade ia dissipando-se, minha vontade em descobrir que voz era aquela parecia diminuir e nem mais me importar. Certo dia, me deparei com as rosas, ou melhor dizendo, com o começo de tudo. Fui regá-las, pois estavam murchas até ouvi a mesma voz, incitando-me: − Recorte as rosas murchas e as pinte de vermelho. 
Sabia que era uma tolice o que estava dizendo, mas de alguma forma eu queria fazer aquilo, virei-me com medo e nada vi. O que faria eu em tal situação? Não cabia a mim fazer tal ato mandado por uma voz que não sabia a quem pertencer, será que estariam brincando comigo?
Peguei vários jornais, recortei-os com gosto e peguei uma tinta vermelho-sangue, pintei-as com tanta felicidade que poderia me imaginar flutuando entre todas elas.
Então comecei a pensar em um jeito de recortar as rosas para colar no lugar, os recortes dos jornais recém secos com a tinta. Enquanto eu pensava, aquela voz retornou e mais lentamente, como se estivesse presa a mim.
Larguei os recortes, corri para o banheiro e me olhei no espelho. Estava com o rosto magro e pálido, como de costume. Meus cabelos louros estavam mal-cuidados e minhas mãos estavam cor-de-sangue com a tinta.
Foi então que percebi que aquela voz nada mais era que meu pensamento.
Por um lado me senti satisfeita, por outro pensava: ''Como posso não conseguir controlar o que vou pensar? Como posso não controlar minha própria mente de mim mesma, estou sendo manipulada pelo meu consciente?''
E até hoje ainda escuto aquela voz em minha cabeça, incitando-me a cometer os tais crimes da juventude, fazendo-me pensar que não vivo, e sim, sou manipulada pela minha própria vontade de viver.

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