fevereiro 06, 2012

O café, a visita e o diálogo

− Quer um cafezinho, Sra. Bunket? Foi o que a empregada Lisie perguntou enquanto removia da escrivaninha os livros que a patroa lera à tarde.
− Estou bem, Lisie. Vá. Não precisarei dos seus cuidados até amanhã. Respondeu-lhe a Sra. Bunket no seu ar rompante, mas sem ter certeza de que havia feito uma boa escolha.
Lisie fechou as portas do escritório sem saber que aquela seria a última vez em que veria a Sra. Bunket, aquela mulher generosa a quem sempre será grata por ter lhe dado um lar depois do incidente que matara sua família.
Vera Bunket era dona de uma herança que lhe foi concebida por seu falecido marido e ultrapassava cinquenta milhões de libras. Não haviam tido filhos e não restara nem um parente próximo a quem mantivesse contato, portanto, sua única companhia naquela mansão de cinquenta e dois cômodos era Lisie, sua empregada e única amiga. Vera tinha quarenta e oito anos de uma vida solitária e sofria de uma grave doença que evitava contar para ela. Naquele dia, sentia fortes dores e temia que a morte estivesse por perto.
− Posso dar um jeito nisso.
Assustada, Vera caiu em si de que estava divagando em lembranças profundas e virou-se para olhar a figura que havia entrado ali sem provocar som algum.
− Desculpe. Lisie, minha empregada não mencionou que eu receberia visita a esta tarde. A que devo a honra, senhor?
− Posso dar um jeito na sua dor. A figura, agora sentada em uma poltrona no canto do escritório, continuava a olhar para baixo, com as pernas e dedos cruzados como se estivesse pensando em alguma coisa. Vera não entendeu no momento, mas ali na sua frente estava alguém que realmente poderia dar um jeito em tudo.
Por instinto, Vera recuou para longe do sujeito do qual ainda não conseguia definir se era homem ou mulher e avançava agora para perto do telefone onde poderia chamar a polícia, caso fosse necessário.
− Não estou entendendo e presumo que tenha um motivo muito urgente para entrar em minha casa desta forma.
− Não tente usar o telefone. Você sabe quem eu sou.
Vera parou trêmula e sentindo-se frustrada. Apoiou a mão na estante ao seu lado, mantendo os olhos firmes em quem quer que estivesse do outro lado do escritório. Tentava desvendar aquela voz desigual, indistinta e que parecia estar vindo direto de sua mente. Para ganhar tempo e conseguir algumas respostas, Vera prosseguiu:
− Vá direto ao ponto, não tenho todo o tempo disponível e não pretendo o ter, quanto mais cedo discutirmos seu propósito aqui melhor será para ambos.
− Tens razão, a senhora não tem tempo algum e para alguém que os médicos disseram restar menos de três semanas de vida, a senhora não se deixa abater.
− Está aqui para me assassinar? Se apoderar de minha fortuna?
− Não seja tola, tente apenas associar a minha presença com seu infortúnio. Eu sou a Morte.
Vera deixou todo seu peso cair na cadeira enquanto tentava separar a imaginação da realidade. Estaria delirando? Algo em seus remédios causou esse efeito colateral? Por que não podia enxergar o rosto daquele sujeito sentado rígido a poucos metros de distância dela? Por que estava acreditando nele? Por que queria acreditar? E por que não acreditar já que não havia aparentemente nenhum interesse em sua fortuna, mas apenas nela mesma. Na Vera, e não na Sra. Bunket.
Ela substituiu o medo por nostalgia. Lembrou de seu primeiro encontro, recebendo galanteios de seu pretendente, e de repente, a imagem muda, o primeiro amor, o primeiro filho, as dificuldades, o divórcio, o sorriso do filho que teria de cuidar sozinha e sua morte precoce - toda uma vida que ela desperdiçou por sua ganância de se casar com um homem rico.
− Então isso é tudo? Planos, perspectivas, arrependimentos, tudo vem à tona? Passei minha vida a me repreender pelos meus erros, tive que escolher entre o certo e o errado, sendo que somos nós quem decidimos entre o certo e errado para nós e em todas as atitudes que tive de tomar parecia ser certo para mim, até descobrir que tentar acertar sempre... é errado.
− Apenas venha, minha querida. Disse a morte levantando-se e estendendo-lhe a mão. − Para um lugar sem qualquer sofrimento ou arrependimento.
− Espero que me sirvam café neste lugar. Disse Vera, enxugando as lágrimas enquanto tentava se acostumar com a ideia. Depois dessas palavras, ela segurou-lhe a mão e sentiu-se em paz pela primeira vez em sua vida; e foram juntas, ela e a Morte para um lugar que todos desconhecemos, por enquanto.

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